O Tribunal de Justiça da Paraíba vive, neste momento, um daqueles testes raros em que uma instituição é chamada a provar não apenas sua força jurídica, mas sua estatura moral. E tudo isso porque um julgamento que já estava em fase de conclusão, com maioria absoluta formada, agora se vê ameaçado de revisão por uma articulação silenciosa, porém intensa, nos bastidores.
É importante lembrar os fatos essenciais. Dos 15 desembargadores que compõem o Órgão Especial, 14 votam, pois dois são irmãos e não podem participar simultaneamente. E, dentro desses 14 votos possíveis, 11 já haviam sido proferidos pela inconstitucionalidade formal e material da flexibilização da Lei do Gabarito na Lei Complementar 166 de João Pessoa. Onze votos. Onze. Um placar que, em qualquer corte, representa mais que maioria: representa convicção.
E é precisamente quando o placar estava em 11 a 0 que veio o gesto mais estranho de todo o processo: o pedido de vista do desembargador Joás de Brito, que sequer acompanhou a formação da maior parte do voto colegiado, pois estava de férias. Seu substituto não pôde votar. Ele retorna, e imediatamente pede vista. Até aí, nada impossível. Mas o inusitado é o movimento posterior: o esforço nos bastidores para tentar virar um resultado cuja maioria já estava firmemente estabelecida.
A pergunta inevitável é: pode uma corte se dar ao luxo de reabrir, de forma tão profunda, um julgamento que já havia alcançado sua maioria absoluta, caminhando para o desfecho natural? E mais que isso: pode flexibilizar uma legislação urbanística que, segundo o Ministério Público e os próprios votos já proferidos, apresenta vícios formais e materiais?
Se o Tribunal permitir que uma maioria tão expressiva seja revertida por articulações internas de última hora, correrá um risco institucional gravíssimo. O risco de rebaixar seu próprio gabarito.
A expressão rebaixar o gabarito é conhecida no vocabulário popular como o ato de diminuir a própria dignidade, reduzir o próprio valor, sair menor de uma situação. E é exatamente isso que estará em jogo se a corte flexibilizar o que ela mesma já vinha decidindo de forma quase unânime. Não se trata de um debate técnico comum. Trata-se de saber se o Tribunal de Justiça da Paraíba está disposto a permitir que, por conveniências momentâneas, uma maioria consolidada seja tratada como se fosse apenas um voto preliminar, e não a formação madura de um colegiado.
O pedido de vista, vale repetir, ocorreu inclusive na ausência do presidente do Tribunal, desembargador Fred Coutinho. E, segundo revelado pelo Jornal da Paraíba, existe uma articulação para relativizar casos em que edifícios extrapolaram o limite do gabarito por “poucos centímetros”, como se o problema urbano fosse meramente aritmético. A proposta incluiria multas e um “olhar diferenciado”. Uma tese construída justamente para justificar uma reviravolta improvável.
Mas o que está em debate não são centímetros. É a integridade institucional. Não se discute apenas a Lei do Gabarito. Discute-se o gabarito do próprio Tribunal.
Em uma cidade onde as pressões imobiliárias são historicamente fortes, um recuo neste caso produzirá uma mensagem inequívoca: quando o conflito envolve grandes interesses, até mesmo uma maioria absoluta pode ser redesenhada. Uma corte que aceita esse retrocesso abre precedentes perigosos. Mostra que a força da lei pode ser maleável ao sabor das conveniências. E, pior, mostra que decisões não representam decisões, mas apenas sugestões.
Por isso, o TJ não estará apenas decidindo sobre uma lei urbanística. Estará decidindo sobre si mesmo. Sobre a imagem que deixará para a sociedade. Sobre a confiança que pretende preservar. Sobre se está disposto a sair maior deste processo, respeitando a maioria que já formou, ou menor, dobrando-se a pressões extrajudiciais.
Flexibilizar a Lei do Gabarito agora, depois de 11 votos firmes pela inconstitucionalidade, seria flexibilizar algo muito maior: seria flexibilizar os limites que sustentam a credibilidade do próprio Tribunal. E toda vez que uma instituição rebaixa o seu gabarito, é a sociedade inteira que paga o preço.





