Notícias

Procurador da República dá palestra na UFPB sobre desafios das comunidades tradicionais na luta por demarcação territórios na PB

A luta das comunidades tradicionais pela permanência em seus territórios foi tema central da palestra “A Tutela dos Direitos Humanos das Comunidades Tradicionais”, ministrada pelo procurador da República José Godoy, no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus Santa Rita. O evento, promovido pelo Centro Acadêmico Manoel Mattos, reuniu estudantes de Direito nessa quarta-feira (5) para discutir os desafios enfrentados por essas populações diante da pressão territorial, conflitos ambientais e falta de regulamentação fundiária.

Disputa por terras e impacto de grandes empreendimentos

Um dos principais pontos abordados por Godoy foi o impacto da disputa territorial impulsionada pelo agronegócio, mineração, especulação imobiliária e grandes projetos de energia renovável. Segundo ele, o avanço do setor eólico e solar tem levado à remoção forçada de comunidades inteiras, especialmente no semiárido nordestino. “O que antes era considerado terra sem valor hoje é altamente cobiçado, e as comunidades que sempre habitaram esses espaços são excluídas do processo decisório”, alertou o procurador.

Ele destacou que, além da perda territorial, essas comunidades sofrem impactos sociais e econômicos profundos, como desemprego, desaparecimento de tradições culturais e dificuldades de acesso a direitos básicos, como saúde e educação. “Para o agronegócio, a terra é um ativo econômico; para as comunidades tradicionais, é parte essencial de sua identidade e sobrevivência”, afirmou.

O avanço imobiliário no litoral e a marginalização de pescadores e quilombolas

O procurador também chamou atenção para a crescente pressão sobre pescadores artesanais, ribeirinhos e quilombolas devido à expansão do setor imobiliário em áreas litorâneas. Muitas dessas populações estão sendo forçadas a abandonar seus territórios para dar lugar a empreendimentos turísticos e de alto padrão. “O litoral brasileiro está sendo loteado para poucos, enquanto aqueles que sempre viveram da pesca são empurrados para a marginalidade”, criticou.

Autoidentificação e a falta de regulamentação fundiária

Para Godoy, um dos principais desafios enfrentados pelas comunidades tradicionais é a falta de um procedimento claro para a regularização fundiária. Ele ressaltou que, embora o Brasil tenha assinado tratados internacionais e promulgado decretos que garantem o direito dessas populações à terra, ainda não existe um marco regulatório eficiente para efetivar esses direitos. “A ausência de regulamentação cria insegurança jurídica, facilita a grilagem de terras e resulta em despejos forçados”, afirmou.

Segundo ele, a autoidentificação é uma estratégia essencial na luta pelo reconhecimento territorial. No entanto, diferentemente das terras indígenas e quilombolas, que contam com processos de demarcação realizados pela Funai e pelo Incra, respectivamente, as comunidades tradicionais ainda não possuem um órgão responsável por garantir sua proteção fundiária.

Conflitos com órgãos ambientais

Outro tema relevante abordado na palestra foi o embate entre comunidades tradicionais e órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo Godoy, muitas dessas comunidades são tratadas como invasoras de áreas de proteção, mesmo tendo ocupado esses territórios muito antes da criação das unidades de conservação. “O modelo de preservação ambiental precisa ser repensado para incluir essas comunidades como aliadas, e não como inimigas da proteção ambiental”, defendeu.

De acordo com o procurador, foram essas comunidades que historicamente garantiram a conservação dessas áreas. Ele argumenta que a solução passa por um modelo de preservação ambiental que respeite a permanência dessas populações e promova um equilíbrio entre proteção ambiental e direitos territoriais.

Reflexão acadêmica sobre direitos humanos e justiça

Para Erick Ferreira, coordenador de projetos de pesquisa e extensão do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB, campus Santa Rita, a palestra proporcionou uma reflexão crítica sobre os desafios dos direitos humanos no Brasil. “Nosso objetivo foi trazer um debate que ultrapasse a visão normativa do Direito, inserindo os alunos desde o início da faculdade em discussões sobre democracia, desigualdade e os desafios enfrentados por comunidades tradicionais. Esperamos que essa experiência contribua para a formação de profissionais comprometidos com as lutas sociais e a defesa da dignidade humana”, concluiu.

You Might Also Like